Um dos aspectos remanescentes do colonialismo português em Moçambique, e talvez um dos mais salientes, é o pluralismo jurídico – instituído formalmente com a criação do regime do indigenato, consubstanciava-se na separação da população em grupos distintos (cidadãos e indígenas), aos quais se aplicavam diferentes formas de administração e diferentes “leis”. Com base em trabalho de campo realizado no distrito de Mossurize em 2014, a presente comunicação apresenta dados que confirmam a permanência de diferentes mecanismos de resolução de conflitos neste distrito, que funcionam ainda com características semelhantes às do período colonial. A nível local, as principais causas das disputas são assuntos relacionados com a família, nomeadamente questões de heranças e de separações/divórcios, nas quais a “norma da tradição” é preponderante – e frequentemente contrária quer aos princípios do Estado de Direito, quer à Constituição de Moçambique. Apesar dos esforços desenvolvidos nos últimos anos quer pela Procuradoria Distrital, quer pelo Tribunal Judicial Distrital de Mossurize para erradicar tais práticas, este status quo tem-se mantido, o que representa como que uma reprodução do modelo de governo indirecto preconizado pelo colonialismo português e, consequentemente, um obstáculo à democratização do acesso à justiça defendida pelo Estado moçambicano desde a sua independência.
Marta Patrício, CEI-IUL
Marta Patrício é licenciada em Ciência Política e Relações Internacionais pela FCSH-UNL e mestre em Estudos Africanos pelo ISCTE-IUL. Actualmente é bolseira de Doutoramento FCT em Estudos Africanos no Centro de Estudos Internacionais (CEI-IUL). A sua investigação centra-se nos processos de construção do Estado e nas relações Estado-Sociedade na África Sub-Sahariana no período pós-colonial, nomeadamente em Moçambique. A sua tese de Doutoramento foca-se nas dinâmicas do pluralismo jurídico no distrito fronteiriço rural de Mossurize (Moçambique).